Texto: Lauristela Guimarães / Rafaela Maximiano | Fotos: Acervo pessoal

Em 2012, a vida de Gabrielli Coury de Andrade mudou para sempre. Sua filha, Maria Lúcia, então com 10 anos, não conseguia acompanhar o ritmo da escola. “Uma amiga psicóloga me perguntou se ela não teria dislexia. Mas naquela época, ninguém falava sobre isso. Nem professores, nem médicos, ninguém sabia o que era”, lembra Gabrielli. Sem respostas em Mato Grosso, a família viajou até São Paulo para buscar diagnóstico e informações na Associação Brasileira de Dislexia. Lá, recebeu a confirmação: Maria Lúcia era disléxica.
O diagnóstico, que poderia ter sido o fim de uma busca, tornou-se o início de uma luta que mudaria a história da educação em todo o estado e no país.
“Voltei decidida a entender o que era dislexia, a estudar, pesquisar e lutar. Descobri que aqui em Mato Grosso não existia nenhuma lei que protegesse minha filha. Fomos à Assembleia Legislativa e batemos de porta em porta. Quem nos acolheu foi o deputado Wilson Santos, que acreditou na causa e nos ajudou a realizar o primeiro Simpósio sobre Dislexia, em 2016.
Hoje já são dez edições realizadas, conta Gabrielli, com emoção na voz.

A partir desse apoio, nasceu a Associação Mato-grossense de Dislexia (Dislexia-MT) um movimento de famílias, profissionais e pessoas com dislexia que decidiu transformar dor em cidadania. “Foi a partir da Assembleia que conheci o que realmente é exercer cidadania: quando a gente participa, propõe leis e vê mudanças reais acontecendo”, afirma.
Com o amparo do Parlamento estadual, Mato Grosso se tornou referência nacional em políticas públicas para pessoas com dislexia e transtornos de aprendizagem. Leis foram aprovadas garantindo desde a Semana de Conscientização sobre Dislexia (Lei 10.635/2017) até o atendimento especializado no Detran (Lei 11.230/2020), que assegura condições justas nas provas para quem tem dislexia.
“Quando fui com minha filha tirar a carteira de motorista e vi que ela estava sendo beneficiada por uma lei que nós ajudamos a criar, eu chorei. Foi impossível não me emocionar. Era a prova viva de que valeu a pena lutar”, relembra Gabrielli. Hoje, aos 22 anos, cursando o último ano da faculdade de Educação Física, Maria Lúcia é símbolo de superação e de como o conhecimento e as políticas públicas podem caminhar juntas em prol da inclusão e mudar a vida das pessoas,para Maria Lúcia ter a oportunidade de frequentar uma escola, tirar a carteira de habilitação é a realização de grandes sonhos, isso para muita gente pode ser banal, corriqueiro mais para nos representa grandes vitórias.

A atual presidente da Associação, Ailma Ribeiro, reforça que a luta está longe de acabar. “Ainda há muito desconhecimento sobre a dislexia. Acreditamos que pelo menos 10% da população seja dislexa e mesmo depois de tantos anos, ainda encontramos faculdades e escolas que não sabem identificar o transtorno. Por isso seguimos com palestras, encontros e campanhas, levando informação e sensibilização a todos os cantos do estado”, afirma.
Graças à mobilização de mães, educadores e parlamentares, Mato Grosso inspirou o Brasil. A partir do trabalho da Dislexia-MT e do grupo nacional de mães, foi possível aprovar a Lei Federal 14.254/2021, que assegura acompanhamento integral para alunos com Dislexia, TDAH e outros transtornos de aprendizagem. “Vendemos pizza para pagar as viagens a Brasília. Estar no Congresso e ver aquela lei ser aprovada foi indescritível. Ali eu percebi o poder da cidadania. Cidadania é quando o seu esforço muda a vida de outras pessoas”, diz Gabrielli, emocionada.
Gabrielli complementa que a Assembleia Legislativa de Mato Grosso foi o palco onde essa transformação ganhou forma. “Deputados, famílias e especialistas se uniram em torno de uma causa que vai muito além da sala de aula: garantir o direito de aprender e ser reconhecido por inteiro”.

Hoje, a Dislexia-MT segue firme, promovendo palestras, simpósios, campanhas educativas e encontros de famílias, sempre com o mesmo propósito que moveu sua fundação: acolher famílias, trocar experiencias e apoio, e, fazer com que cada pessoa com dislexia se sinta vista, compreendida e respeitada.
“A dislexia não é limitação, é uma forma diferente de ver o mundo. E quando a sociedade entende isso, todos ganham”, resume Ailma. De uma mãe que não aceitou o silêncio à construção de leis que transformam vidas, a história da Dislexia-MT é a prova de que o Parlamento, quando sensível e comprometido, pode ser o coração pulsante da cidadania “onde o amor de uma mãe encontrou eco na justiça social e se transformou em lei”, completou Gabrielli.

Leis de Mato Grosso que tratam da dislexia:
Lei 10.635 / 2017 – Institui a Semana de Identificação e Conscientização sobre a Dislexia no Estado de Mato Grosso.
Lei 10.626 / 2017 – Institui a Política de Promoção da Aprendizagem – Proap – nas redes estaduais de saúde e educação e dá outras providências.
Lei 10.644 / 2017 – Institui o atendimento especializado, nos concursos públicos e vestibulares realizados no Estado de Mato Grosso, para as pessoas com dislexia.
Lei 10.961 / 2019 – Institui o laço azul com laranja como símbolo da dislexia
Lei 11.191 / 2020 – Declara de utilidade pública a Associação Mato-grossense de Dislexia – AMD, de Cuiabá.
Lei 11.230 / 2020 – Institui o atendimento especializado nas provas realizadas no Departamento Estadual de Trânsito – DETRAN de Mato Grosso para as pessoas com dislexia.
Lei 11.239 / 2020 – Institui o Plano de Atenção Educacional Especializado – PAE para os alunos diagnosticados com transtornos específicos de aprendizagem (dislexia, disgrafia e discalculia) nas instituições de ensino e dá outras providências.
Lei Federal 14.254 / 2021 – Dispõe sobre o acompanhamento integral para educandos com dislexia ou Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) ou outro transtorno de aprendizagem.
Resolução Normativa nº 005/2022 – Estabelece Diretrizes sobre o atendimento aos estudantes com dislexia e outros transtornos de aprendizagem.